De dentro da avião ele via muitos pontinhos brancos. Entusiasmado perguntava ao pai o que eram e o pai lhe respondia: " São bois meu filho, aqui nesta região há muitos deles, os argentinos são os maiores churrasqueiros que esse mundo já viu!". Encantado o menino pediu que logo que chegassem ao hotel e desfizessem as malas, saissem para comer uma carne, daquelas que o pai tanto elogiava.
O hotel era um prédio antigo e muito bonito, logo na esquina de uma das ruas mais movimentadas e moderna de todo o país. No quarto, muito aconchegante, haviam duas camas de solteiro que serviriam perfeitamente para pai e filho, num feriado prolongado que prometia ser o melhor em muito tempo. Entretanto, a chuva castigava a capital mundial das carnes suculentas, o que impossibilitou a saida a qual o menino estava tão desejoso. O hotel, com todo seu conforto, oferecia na primeira noite um belo jantar com uma grande variedade de carnes e massas, vinhos de diferentes uvas e safras e doces de diferentes variedades e sabores. Era, para o menino, a definição perfeita de paraíso. Para o pai no entanto, uma preocupação se sobrepunha a todas as maravilhas do jantar e da alegria de estar mais uma vez com o filho. Ela sabia que o jantar e os oito dias que passariam juntos, passeando e se divertindo, não seriam suficientes para apagar o que na memória do filho ficaria marcado para sempre.
No primeiro dia eles acordaram tarde e ambos tomaram banho calmamente, sem pensar em hora. Queriam aproveitar, cada um de sua maneiro, e por seu próprio motivo, o máximo que conseguiam. Sairam então, por volta do meio-dia, quando o sol estava em ponto mais conturbante e buscaram uma livraria, a mais bela e mais conhecida da cidade. Era um antigo teatro de óperas em que o palco se transformara num Café no estilo europeu e onde antes era a platéia, agora ensontravam-se as enormes prateleiras cheias de livros, nacionais e internacionais, de culinária e de sociologia, de cantores famosos e das maiores desgraças que este mundo já viu. O menino, a cada passo que dava, se deslumbrava mais. Não sabia direito para onde olhar e não entendia muito bem o que as capas diziam, nem sobre o que os livros tratavam mas, olhava cada um com tal interesse, como se tudo aquilo fizesse muito sentido.
Cinco dias depois, já conheciam praticamente toda a cidade e seus pontos turísticos mais visitados. O único lugar restante era a feira de antigudades em um bairro mais afastado, muito conhecida por seus trabalhos à mão e suas peças únicas, dos séculos que o menino não imaginava existir. O pai já se sentia cansado e torturado por suas próprias idéias. Eram poucos os momentos que ele relamente aproveitava a companhia do filho, seus pensamentos o levavam além dali, e isso já o atormentava de tal forma que fez uma decisão.
"Meu filho, você sabe que na vida, as pessoas grandes fazem escolhas. Essas escolhas podem afetar todos ao seu redor. Eu te amo muito. Nunca se esqueça disso". O menino não entendia porque o pai falava aquilo, justo ali, na calçada, em frente ao hotel, quando voltaram de um paseio maravilhoso. "Eu sei que eu nunca fui muito presente na sua vida mas, eu precisei resolver muitas coisas antes deixadas para trás. A morte de sua mãe mexeu muito comigo e eu não sabia se conseguiria cuidar sozinho de você. Precisava desesperadamente de um tempo. Um tempo que nunca mais voltará, eu nunca o terei de volta". O menino, espantado e levemente chateado, agora que percebia que não voltariam a passear pela cidade e, provavelmente a viagem já não seria mais a mesma, respondeu firmemente: "Nem eu. Nunca mais terei minha mãe e o tempo que você passou longe, eu nunca mais recuperarei. Desde os meus quatro anos de idade até hoje, com dezessete, minha vida foi um grande espaço em branco que nunca será preenchido. Eu devo isso a você e a suas dúvidas. No entanto, nunca reclamei nem cobrei. Sinto sua falta e me sinto completamente impotente ao saber que você, com seus atormentados pensamentos, se afasta de mim cada vez mais". O pai chocou-se ao ouvir do filho, que até então comportara-se como uma criança, fazendo novas descobertas sobre o mundo e sobre a vida, todas aquelas palavras duras que pareciam estar guardadas há muito tempo em seu peito. "Amanhã não estarei mais com você". "Claro que não, amanhã voltamos para o Rio e você, depois de me deixar em casa, vai seguir sua vida insana, sem rumo e sem propósito, como sempre fez". "Não meu filho, amanhã eu relamente não estarei com você. Hoje é o último dia que temos juntos. Preciso ir embora e deixar você viver sua vida, sem meus pensamentos te atormentando, ou minhas decisões que nunca se decidem por inteiro, sou apenas uma cruz que você inconscientemente carrega, não posso deixar isso continuar. Tudo que tenho é seu, quero que seja seu. Para que lembre-se de mim e não repita os erros que cometi". Os dias e anos se passaram e, assim como o pai havia falado, os dois não se encontraram mais.
Muitos anos haviam se passado. O menino, que agora já era um homem de família, casado e com duas lindas filhas, passeava pela cidade que, anos antes o dera tanta alegria e um única enorme tristeza. Pensou, ao passar pelo hotel em que se hospedara, agora um bordel sujo e com péssima aparência, ter visto o pai, velho e despenteado. Continuou a andar, sabia que as memórias daquela viagem não o faziam bem. Abraçou suas filhas e sua esposa, e o fantasma de seu pai sumiu, assim como o próprio fez.
domingo, 23 de março de 2008
sábado, 22 de março de 2008
Potinho de vidro vazio
Nunca foi díficil perceber o que entre eles havia. Especialmente para ela, que na janela esperava, todos os dias, úteis e inúteis. Mais os inúteis. Nunca foi muito de livros e poesias. Sua grande fascinação eram as monstruosas costruções da cidade grande. Seu sonho era conhecê-las mas, sabia desde pequena, e a mãe não importava em repetir, que filha da lavadeira de madame e carteiro de feriado não teria futuro promissor. Mesmo assim, ela sonhava. Sonhava que subia nos arranha-céus da capital e de tão perto das estrelas que estava, guardava um tantinho de nuvem, para nunca se esquecer daquele momento glorioso.
As grandes emoções da cidadezinha, além dos casamentos das filhas do delegado e de Dr. Justino, o ortopedista, eram poucas. Vez ou outra os moradores se reuniam e arranjavam, entre muita gritaria e desentendimento, jeito de fazer festa de São João, ali mesmo, na praça da cidadezinha.
A menina nem ligava. Queria mesmo era conhecer um moço bem apessoado da capital que pudesse a levar embora. E quem sabe então ela teria aquele pedacinho de céu que tanto almejava.
Após muitas primaveras, sempre à janela, esperando por uma única gota de esperança, suas preces foram ouvidas. Imediatamente a jovem moça pôs-se a disposição do mais novo e mais breve morador da cidadezinha. Jacson, o construtor civil, morava na capital e, além de uma boa casa para morar, buscava uma noiva. Na realidade, Jacson buscava o tão aclamado e bem recomendado tratamento ortopédico do Dr. Justino. O jovem rapaz havia voltado da guerra, mas ainda não se recuperara de seus traumas na panturrilha. Elas o incomodavam ferozmente, e Jacson sabia que sem a ajuda de uma noiva dedicada, e claro do Dr. Justino, suas panturrilhas jamais voltariam ao normal.
Quatro anos se passaram e não houve um dia em que a bela moça não dedicasse todo seu amor e devoção ao noivo. Viviam felizes e se amavam. Mas seu sonho ainda não se realizara. As nuvens que pelo céu deslizavam sem pressa davam a moça a impressão de aquele dia nunca chegaria. Mas, na vida, há de se esperar pelo momento certo, para que sua vontade seja realizada.
Não havia mais o que esperar. As panturrilhas de Jacson reluziam de tanta força e os olhos da moça reluziam só em pensar em seu breve futuro.
"Não há de que se acanhar minha amada. Aqui em cima tudo é calmo e sereno, como onde te achei. Não há o que temer. Estou contigo e não te deixarei sozinha. Agora estaremos para sempre juntos. Nosso amor durará tantos anos que nem iremos nos lembrar desse dia presente. Mas ela sabia que iria, jamais se esqueceria do momento em que seu grande sonho se realizaria.
O ar em seus pulmões já não circulava. Suas veias saltavam a todo lado. O coração batia descompaçado. Já não mais distinguia realidade e sonho, o desejo a consumia. Mas ela não queria se controlar, sabia que jamais viveria aquele momento de novo, e por isso, o vivia com a maior intensidade que conseguia.
Era tão alto, tão belo e alvo como cera de vela. Inesquecível seria aquele dia. De dentro de sua pequena bolsinha bordada à mão pela mãe, como presente por sua partida, a moça tirou um pequeno potinho de vidro, vazio e pronto para se encher com um sonho de menina. Seu rosto irradiava alegria e seu noivo vivia com ela as emoções mais fortes e bonitas que um amor pode viver. Estavam juntos e jamais se separariam, aquela nuvem criou neles um elo. Ela jamais esqueceria, jamais".
Irrompeu da escuridão com um grito longo e desafinado. Descobriu-se em sua própria cama com o noivo ao seu lado, sua panturrilha já inteiramente curada. E em seu criado-mudo o relógio indicava que o Sol ainda não nascera. Ao lado, a bolsinha bordada à mão e o potinho de vidro vazio. O trem até o Centro ainda demoraria três horas para passar. Seu sonho estava prestes a se realizar.
As grandes emoções da cidadezinha, além dos casamentos das filhas do delegado e de Dr. Justino, o ortopedista, eram poucas. Vez ou outra os moradores se reuniam e arranjavam, entre muita gritaria e desentendimento, jeito de fazer festa de São João, ali mesmo, na praça da cidadezinha.
A menina nem ligava. Queria mesmo era conhecer um moço bem apessoado da capital que pudesse a levar embora. E quem sabe então ela teria aquele pedacinho de céu que tanto almejava.
Após muitas primaveras, sempre à janela, esperando por uma única gota de esperança, suas preces foram ouvidas. Imediatamente a jovem moça pôs-se a disposição do mais novo e mais breve morador da cidadezinha. Jacson, o construtor civil, morava na capital e, além de uma boa casa para morar, buscava uma noiva. Na realidade, Jacson buscava o tão aclamado e bem recomendado tratamento ortopédico do Dr. Justino. O jovem rapaz havia voltado da guerra, mas ainda não se recuperara de seus traumas na panturrilha. Elas o incomodavam ferozmente, e Jacson sabia que sem a ajuda de uma noiva dedicada, e claro do Dr. Justino, suas panturrilhas jamais voltariam ao normal.
Quatro anos se passaram e não houve um dia em que a bela moça não dedicasse todo seu amor e devoção ao noivo. Viviam felizes e se amavam. Mas seu sonho ainda não se realizara. As nuvens que pelo céu deslizavam sem pressa davam a moça a impressão de aquele dia nunca chegaria. Mas, na vida, há de se esperar pelo momento certo, para que sua vontade seja realizada.
Não havia mais o que esperar. As panturrilhas de Jacson reluziam de tanta força e os olhos da moça reluziam só em pensar em seu breve futuro.
"Não há de que se acanhar minha amada. Aqui em cima tudo é calmo e sereno, como onde te achei. Não há o que temer. Estou contigo e não te deixarei sozinha. Agora estaremos para sempre juntos. Nosso amor durará tantos anos que nem iremos nos lembrar desse dia presente. Mas ela sabia que iria, jamais se esqueceria do momento em que seu grande sonho se realizaria.
O ar em seus pulmões já não circulava. Suas veias saltavam a todo lado. O coração batia descompaçado. Já não mais distinguia realidade e sonho, o desejo a consumia. Mas ela não queria se controlar, sabia que jamais viveria aquele momento de novo, e por isso, o vivia com a maior intensidade que conseguia.
Era tão alto, tão belo e alvo como cera de vela. Inesquecível seria aquele dia. De dentro de sua pequena bolsinha bordada à mão pela mãe, como presente por sua partida, a moça tirou um pequeno potinho de vidro, vazio e pronto para se encher com um sonho de menina. Seu rosto irradiava alegria e seu noivo vivia com ela as emoções mais fortes e bonitas que um amor pode viver. Estavam juntos e jamais se separariam, aquela nuvem criou neles um elo. Ela jamais esqueceria, jamais".
Irrompeu da escuridão com um grito longo e desafinado. Descobriu-se em sua própria cama com o noivo ao seu lado, sua panturrilha já inteiramente curada. E em seu criado-mudo o relógio indicava que o Sol ainda não nascera. Ao lado, a bolsinha bordada à mão e o potinho de vidro vazio. O trem até o Centro ainda demoraria três horas para passar. Seu sonho estava prestes a se realizar.
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