Nunca foi díficil perceber o que entre eles havia. Especialmente para ela, que na janela esperava, todos os dias, úteis e inúteis. Mais os inúteis. Nunca foi muito de livros e poesias. Sua grande fascinação eram as monstruosas costruções da cidade grande. Seu sonho era conhecê-las mas, sabia desde pequena, e a mãe não importava em repetir, que filha da lavadeira de madame e carteiro de feriado não teria futuro promissor. Mesmo assim, ela sonhava. Sonhava que subia nos arranha-céus da capital e de tão perto das estrelas que estava, guardava um tantinho de nuvem, para nunca se esquecer daquele momento glorioso.
As grandes emoções da cidadezinha, além dos casamentos das filhas do delegado e de Dr. Justino, o ortopedista, eram poucas. Vez ou outra os moradores se reuniam e arranjavam, entre muita gritaria e desentendimento, jeito de fazer festa de São João, ali mesmo, na praça da cidadezinha.
A menina nem ligava. Queria mesmo era conhecer um moço bem apessoado da capital que pudesse a levar embora. E quem sabe então ela teria aquele pedacinho de céu que tanto almejava.
Após muitas primaveras, sempre à janela, esperando por uma única gota de esperança, suas preces foram ouvidas. Imediatamente a jovem moça pôs-se a disposição do mais novo e mais breve morador da cidadezinha. Jacson, o construtor civil, morava na capital e, além de uma boa casa para morar, buscava uma noiva. Na realidade, Jacson buscava o tão aclamado e bem recomendado tratamento ortopédico do Dr. Justino. O jovem rapaz havia voltado da guerra, mas ainda não se recuperara de seus traumas na panturrilha. Elas o incomodavam ferozmente, e Jacson sabia que sem a ajuda de uma noiva dedicada, e claro do Dr. Justino, suas panturrilhas jamais voltariam ao normal.
Quatro anos se passaram e não houve um dia em que a bela moça não dedicasse todo seu amor e devoção ao noivo. Viviam felizes e se amavam. Mas seu sonho ainda não se realizara. As nuvens que pelo céu deslizavam sem pressa davam a moça a impressão de aquele dia nunca chegaria. Mas, na vida, há de se esperar pelo momento certo, para que sua vontade seja realizada.
Não havia mais o que esperar. As panturrilhas de Jacson reluziam de tanta força e os olhos da moça reluziam só em pensar em seu breve futuro.
"Não há de que se acanhar minha amada. Aqui em cima tudo é calmo e sereno, como onde te achei. Não há o que temer. Estou contigo e não te deixarei sozinha. Agora estaremos para sempre juntos. Nosso amor durará tantos anos que nem iremos nos lembrar desse dia presente. Mas ela sabia que iria, jamais se esqueceria do momento em que seu grande sonho se realizaria.
O ar em seus pulmões já não circulava. Suas veias saltavam a todo lado. O coração batia descompaçado. Já não mais distinguia realidade e sonho, o desejo a consumia. Mas ela não queria se controlar, sabia que jamais viveria aquele momento de novo, e por isso, o vivia com a maior intensidade que conseguia.
Era tão alto, tão belo e alvo como cera de vela. Inesquecível seria aquele dia. De dentro de sua pequena bolsinha bordada à mão pela mãe, como presente por sua partida, a moça tirou um pequeno potinho de vidro, vazio e pronto para se encher com um sonho de menina. Seu rosto irradiava alegria e seu noivo vivia com ela as emoções mais fortes e bonitas que um amor pode viver. Estavam juntos e jamais se separariam, aquela nuvem criou neles um elo. Ela jamais esqueceria, jamais".
Irrompeu da escuridão com um grito longo e desafinado. Descobriu-se em sua própria cama com o noivo ao seu lado, sua panturrilha já inteiramente curada. E em seu criado-mudo o relógio indicava que o Sol ainda não nascera. Ao lado, a bolsinha bordada à mão e o potinho de vidro vazio. O trem até o Centro ainda demoraria três horas para passar. Seu sonho estava prestes a se realizar.
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